sábado, 30 de abril de 2011

O Anjo Rouco, de Paulo Venturelli



Imperdível o lançamento do livro O Anjo Rouco, de Paulo Venturelli, no próximo sábado, dia 07 de maio, às 11h, no Paço da Liberdade. Imperdível porque essa nova edição está linda. Mas principalmente porque Venturelli é um escritor em que a prosa sempre está de mãos dadas com a poesia.

Há um tom lírico em cada linha que ele escreve, uma docilidade no uso das palavras como se ele estivesse nos lembrando a todo momento que não podemos nos fiar na razão, que só é possível viver poeticamente. Há sempre um mistério prestes a se revelar, sugerido pelo vento, por um desejo contido, pelo olhar de um menino, por um poço fechado. Um mistério que se revela já nesse uso tátil da palavra, consciente da riqueza subjetiva que ela pode conter. Venturelli escreve como se tocasse outro corpo, e toca.

A apresentação do livro, escrita por Nelson de Oliveira, termina dizendo que "o Brasil inteiro precisa urgentemente descobrir este escritor." Urgência, essa é a palavra, para que não se perca a oportunidade de usufruir o quanto antes de um talento cuja sensibilidade torna afetivo tudo o que toca.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Sobre o fim das distâncias e a delicadeza

O encurtamento drástico da distância começou com o automóvel, os trens e os aviões, até chegar à sua completa abolição com a internet e as redes sociais. Paradoxalmente, nunca estivemos tão distantes uns dos outros, nunca a delicadeza mascarou tantos fins.

O que liga duas pessoas são os meandros, as volutas, a sinuosidade da curva, nunca a linha reta. A linha reta abole a distância entre dois pontos, não entre duas pessoas. E a delicadeza vem de graça, dá flores mesmo quando não dá nada.
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Francis Bacon




Francis Bacon corta quando pinta, mas corta ainda mais quando fala. Como uma faca de açougueiro superafiada, ele corta a realidade, separa o que lhe interessa, nem um naco a mais, e expõem sem hesitação sobre a mesa o que pensa, com uma brusquidão fatual de quem se rende à verdade da carne, recém dessossada aos olhos do interlocutor. Seu olhar de viés aguça ainda mais o fio da lâmina, tanto mais verdadeira quanto mais impiedosa. Mas sua violência é a violência de boa parte do mundo. Se não nos consola, nem ele desejaria isso, ela nos mantém vivos, dolorosamente vivos.
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quinta-feira, 28 de abril de 2011

O trânsito das relações

Não sei se desfoco quando vejo, é possível, mas o que vejo de todos os lados são relações insatisfeitas, relações que só se veem como bem-sucedidas quando se desdobram em outras relações, como se o amor já não fosse suficiente. O que importa, hoje, é transitar entre as relações, fazendo com que uma desemboque em outra, e esta em outra ainda e assim sucessivamente.

O estado eufórico desse trânsito parece estar substituindo o amor. Não há mais tempo para um sentimento que exige tanta dedicação e cuidado com o mesmo, com o único. A diversidade parece tão mais excitante, a mídia toda repete esse mote. Engenhosamente inventamos todos os dias novas razões para adiar o amor, comprazidos que estamos nessa avalanche de relações turvas, chegando mesmo a explorar matizes cada vez mais sutis da infidelidade - ao outro e a nós mesmos.
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O xadrez da alegria



O xadrez da alegria
acrílica sobre tela
250x110cm
R$ 8.200,00

quarta-feira, 27 de abril de 2011

O elogio da ignorância inteirada

Mais do que nunca, a ordem do dia é consumir tudo em todas as direções, insaciavelmente e sem outro critério que não seja a novidade, o lançamento. Consumir e descartar. Isso vale para roupas, filmes, livros, música, roteiros de viagem...

O que espanta é a abundância não só dessa fome insaciável, como daquilo que compõe o cardápio: o sempre renovado velho kitsch, a mesma gama colorida de lugares comuns, o mesmo circo pop, armado na ante-sala da reflexão.

O resultado é o elogio - em tempo cada vez mais próximo do real - da ignorância inteirada, proclamado como um mantra, nas telas de tevê, de cinema, dos computadores, dos celulares, palm tops, ipads...

terça-feira, 26 de abril de 2011

Homem-Ovo contém Laocoonte


 Homem-ovo contém Laocoonte
acrílica sobre tela
120x90cm

espanto 2

O que espanta é o conforto com a distância, ainda que virtualmente encurtada, a pobreza dessa solidão conectada em rede e a inconsciência da temporalidade. Parece que a pele não é mais necessária - muito menos o toque - nem faz mais sentido temer a morte.
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da série Sombras



segunda-feira, 25 de abril de 2011

Estupidez e oportunismo

Se as ações exageradamente calculadas sempre têm algo de estúpido, imagine-se hoje o mar de estupidez de tantos projetos culturais minuciosa e matematicamente planejados, seguindo tão servilmente as estratégias prescritas, seja pelos editais de cultura das empresas, seja pelas leis de incentivo.

Cada vez mais os produtos culturais nascem de um oportunismo, da possibilidade de serem patrocinados e não de uma necessidade premente - que dificilmente se enquadra num regulamento e satisfaz a ânsia, legítima embora quase sempre simplória, da contrapartida social.
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Variações Negras


da série Variações Negras
óleo sobre tela
100x100cm
R$ 3.700,00

sábado, 23 de abril de 2011

O negócio da vida privada

Toda vez que leio ou ouço algo sobre as redes sociais, não consigo deixar de pensar que elas representam um passo decisivo na transformação da vida íntima num negócio, o negócio da vida privada. E que a paga desse negócio custa os olhos da alma.
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Óscar Hahn 5

Apresento aqui mais uma tradução do poeta chileno Óscar Hahn, que sigo lendo desde que estive no Chile no início do ano.

Na entrevista que serve de introdução ao livro Archivo expliatorio, poesías completas (1961-2009), ele conta que descobriu a poesia não em sala de aula, nem através um professor, mas ao acaso, na biblioteca da escola, ao folhear um volume de poemas medievais sobre a morte. Conta ainda que tem gravado na memória desde muito pequeno a imagem da mãe, de óculos, lendo um livro atrás do outro.  


VAZIOS QUE RESPIRAM


Alguém dormia a meu lado
mas se não havia ninguém
sentia sua respiração ritmada
mas se havia só o espaço vazio
Ignoro se era homem ou mulher
ou sei lá que criatura
Só sei que respirava a meu lado

O mundo está cheio
de vazios que respiram
que  espreitam,  palpitam
O que respiram esses vazios?
Oxigênio não é, porque o oxigênio serve
para encher de ar os pulmões
e eles não têm pulmões
não têm boca nem fossas nasais
nem parte alguma do corpo

Deitado ao meu lado
o vazio de agora
se vira e revira, inquieto
como se lutasse para não sufocar
Esse é o melhor momento para suplicar
que os vazios não nos abandonem
que continuem sempre a nosso lado
respirando



VACÍOS QUE RESPIRAN


Sentí que alguien dormía a mi lado
pero no había nadie
sentí su respiración acompasada
pero había un espacio vacío
Ignoro si era hombre o mujer
o bestezuela o no sé qué
Sólo sé que respiraba a mi lado

El mundo está lleno
de vacíos que respiran
que observan que palpitan
¿Qué respirarán estos vacíos?
No es oxígeno porque el oxígeno sirve
para llenar de aire los pulmones
no ellos no tienen pulmones
no tienen boca ni fosas nasales
ni parte alguna del cuerpo

Ahora el vacío
que está tendido junto a mi
se da vueltas inquieto
como si luchara con la asfixia
Y es entonces cuando hay que rogar
porque  los vacíos no nos abandonen
porque sigan siempre a nuestro lado
respirando

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Robert Motherwell


Dos pintores norte-americanos, Motherwell  é um dos que mais admiro, não só por suas abstrações informais cheias de vigor e beleza, mas também pela ressonância filosófica que misteriosamente emana delas.

O sentido que algumas obras fazem se deve em boa parte a esse eco, a esse isto que de alguma forma está lá, mais no gesto do que entre as cores, mais na estrutura geral do que no detalhe, e que sopra sobre nós como a aragem da vida. É esse sopro que dá densidade à obra de alguns pintores, e que falta a outros, por mais prolíficos que sejam, por maior que seja sua intencionalidade. Esse sopro, esse isto é o que no final das contas distingue aquilo que está morto do que está vivo.
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segunda-feira, 18 de abril de 2011

Giacometti

As tentativas é que contam


Poema escrito por Giacometti em outubro de 1965, três meses antes de morrer, enquanto cruzava o Atlântico:


nada disso é grande coisa
pintura escultura desenho
escrita, ou melhor, literatura
tudo isso tem seu valor
e só

as tentativas é que contam
eh, maravilha


Tout cela n'est pas grand'chose,
toute la peinture, sculpture, dessin,
écriture ou plutôt littérature,
tout cela a sa place
et pas plus.

Les essais c'est tout,
Oh Merveille!


Tradução: Carlos Dala Stella

sábado, 16 de abril de 2011

Mulher com borboletas


 MULHER COM BORBOLETAS
acrílica sobre tela
120x70cm


Caderno de Ateliê 40


Esse recorte preto andou de um canto a outro do ateliê por mais de um ano, como marcador de leitura, suporte para afinar ponta de lápis, ou simplesmente esquecido pelo chão. Não sei o que pretendi, nem sei se é canoa, banheira, brinquedo o que transporta as duas figuras. Muitas vezes tive-o nas mãos, pensei em colá-lo em uma folha e iniciar uma colagem, algo mais complexo. Até que um dia desses, tomado por essa atitude de descarrego, colei-o em meu caderno de ateliê atual e borrifei nanquim nas duas folhas, borrando a tinta preta ainda úmida com papel higiênico. Faltava algo, fiz o guarda-chuva. Não sei do que se protegem as duas figurinhas. Chuva não é. Parece que navegam em céu ácido.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Jean Cocteau


Em 2001 fiz uma série de retratos. Este é um dos 4 dedicados ao multiartista francês Jean Maurice Eugène Clément Cocteau. Misturei desenho e recorte. O resultado foi essa máscara de introspecção.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

da série Sombras

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No ateliê de escultura de Claudio Alvarez, recortei algumas sombras. Divido essa série em dois grupos, um de fotografias tal qual foram captadas e outro, menor, de imagens que manipulei, na cor e na luminosidade, nunca no formato.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Que saudade de Hilda Hilst!

         
         Há algum tempo a crônica deixou de ser um biscoito fino para se tornar um desses enjoativos biscoitos recheados com baunilha ou chocolate, que agradam tanto às crianças. Quem está cansado da lenga-lenga sobre nada de Raquel de Queirós e João Ubaldo Ribeiro, quem não agüenta mais a crônica como tema de si mesma, quem se via obrigado a enfrentar um banquete para saciar a fome miúda e fora de hora, prepare-se para degustar as guloseimas e os quitutes mais deliciosos do cardápio brasileiro.
         Saiu há mais de dez anos, pela Nankin Editorial, o livro Cascos & Carícias, de Hilda Hilst (reeditado pela Globo, em 2007, com o acréscimo de  novos textos), reunindo crônicas publicadas originalmente no jornal Correio Popular de Campinas, entre 1992 e 1995. Antes mesmo de abrir o livro, somos fisgados pela capa, que reproduz o retrato da artista quando jovem, bela e provocadora. A repetição do mesmo rosto, em preto e branco, segundo cortes sempre diferentes, torna contagioso o sorriso dos lábios e dos olhos, maroto como o gesto obsceno feito com a mão direita.
         Em contraste com o tom aparvalhado a que se viu reduzido o gênero que ganhou maioridade na mão de um time de primeira - formado entre outros por Manuel Bandeira, Paulo Mendes Campos, Vinícius de Moraes, Rubem Braga e Drummond -, o tom das crônicas de Hilda Hilst é surpreendentemente debochado, indignado, agressivo às vezes. Embora pertençam ao mesmo universo de sua ficção, especialmente a partir de O Caderno Rosa de Lory Lambi, elas esbanjam uma irreverência e uma ludicidade que ultrapassa os limites já por natureza generosos do gênero.
         Mas nem só de cascos é feita a crônica desta poeta, dramaturga e ficcionista que estreou em 1950, com o livro de poemas Presságio. Com mais de 30 títulos publicados em diversos idiomas, ela conseguiu unir com uma lucidez particularíssima duas pulsões humanas que raramente andam juntas: a obscenidade e o lirismo. Mais exatamente ela denuncia uma união indesejada, mas inevitável, entre o obsceno e o lírico, como se dissesse que cascos e carícias fazem parte a mesma natureza humana.
         Um dos exemplos mais bem humorados de sua irreverência libidinosa: Bem, agora quero lhes contar do meu filho. Tem 40 anos. Casado. Sua mulher é tolinha, dessas que falam sem parar, sempre imbecilidades. Leu algum que discorreu sobre a importância de “agilizar o conceito fala”, de extravasar. Sua visista era um inferno, eu colocava meu xale acastanhado e cantava baixinho, só para ela, uma canção muito engraçada dos meus tempos de faculdade: “cumé que é, meu capim barba de bode, / faz tempo que nóis num mete / faz tempo que nóis num fode...” Ela se arrepiava inteira. Dizia para meu filho: Leocádio, sua mãe está louca. Como é que você pode deixá-la aqui sozinha quando ela deveria estar naqueles belos lugares onde as velhinhas bordam, cantam canções de ninar, fritam bolinhos...  
         Freqüentemente seu humor incorpora o sotaque caipira típico do interior de São Paulo, sotaque que na maioria das vezes é ridicularizado na escola e nunca chega às páginas dos jornais. Um bom exemplo do uso dessa modalidade da língua é a crônica Tô Só: Vamo brincá de ficá bestando e fazê um cafuné no outro e sonhá que a gente enricô e fomos todos morar nos Alpes Suíços e tamo lá só enchando a cara e só zoiando? Vamo brincá que o Brasil deu certo e que todo mundo tá mijando a céu aberto, num festival de povão e dotô? Que termina assim: Vamo brincá de autista? Que é isso de se fechá no mundão da gente e nunca mais ser cronista? Bom-dia leitor. Tô brincando de ilha.
         Quando faz referência à crônica é para criticar o lugar-comum do gênero: Uma das coisas que mais me chateiam nisso de escrever crônicas é a quase obrigação de ser sempre pra cima, vivaz, alegrinha, ou então estar sempre em dia, na crista, notícias cintilantes...Ser sempre interessante como se todos fossem inteligentíssimos, profundos, finos, cultos, delicados... Nem alegrinha nem na crista. A essas duas solicitações ela contrapõe um humor debochado e uma crítica mordaz, principalmente quando se refere à realidade social e política do país; ou desaponta o leitor - e os editores - recheando os textos com poemas seus, como os três belos poemas de Alcoólicas, dedicados ao também poeta e cronista Jamil Snege.
         O que Hilda Hilst faz é subverter o conceito comum de crônica, sem no entanto desprezar o leitor de jornal. Quem tem uma intenção tão reta e feroz, embora subversiva, não tolera que se perca de vista o leitor. Em última instância é ele quem a autora procura subverter, com uma espécie de catecismo às avessas. A poesia, e também o sexo, seriam duas formas de encher de beleza e de justa ferocidade o coração do outro, do outro que é você leitor.
Embora suas crônicas mantenham o viço mesmo publicadas em livro, é inevitável reconhecer que o espanto e o gozo seriam ainda maiores se abríssemos o jornal de Campinas, por exemplo no domingo, dia 26 de fevereiro de 1995: Gente... que coisa! o cara colocando a camisinha na banana! E que música mais chinfrim! Não acredito que nestes nossos tempos epidêmicos de Aids e Ebola nenhum comunicador tenha encontrado uma fórmula sóbria e eficaz para alertar o povão sobre o perigo das relações sexuais sem o uso de preservativos! Vocês acham que lá nos cafundós (que é o Brasil inteiro) seo Mané vai entender o que estão querendo dizer em meio àquela suarenta de traseiros e tetas, e todos rebolando frenéticos num frenesi dementado e patético? O que vai acontecer com essa estória de banana é o seguinte:
         ô seo Mané, já comprô as bananas pras camisinhas?
         já, seu Jucão.
         põe no cacho inteiro, viu? Assim a gente pode metê pra valê.


         Publicado originalmente no jornal Gazeta do Povo

segunda-feira, 4 de abril de 2011

dor intensa

Esse painel de cimento faz parte da Trilogia da Dor: a dor pressentida, a dor intensa e a dor como um pássaro. A figura é sempre a mesma, mudam o contexto, as cores, o movimento do braço direito. Eles correspondem aos três movimentos da dor, quando ela apenas se faz anunciar, quando se instala definitivamente e quando abre as asas para ir-se.


sexta-feira, 1 de abril de 2011

Majik Mahgid, a história de um rosto

Majik Mahgid, a história de um rosto é o esboço de um livro de recortes feito originalmente sobre um livro de partituras musicais. Tem por tema um rosto recortado sobre 90 folhas coloridas, num total de 180 páginas, no formato 33x23,5cm.

Da primeira à última folha, esse rosto vai se desfolhando em quatro movimentos maiores, como num andamento sinfônico, correspondentes a quatro facetas, que ora surgem entre fendas e retângulos, ora se desfazem fragmento a fragmento, até se abstratizarem e assumirem nova expressão.

A idéia me veio de um sonho, lá em setembro de 2003, como tantas vezes antes. Acordei com o título e o que viriam a ser estas imagens rondando na cabeça. Mostro aqui 3 das 180 páginas.