sexta-feira, 10 de junho de 2011

quer jogar?

Acaba de sair novo livro nosso, sobre jogos - pela Edições SESCSP. Fiz 96 desenhos para o texto da Adriana. Publico aqui as duas introduções, a dela e a minha.





introdução ao texto


Este é um livro a dois. Dois brincantes, um poeta-artista, que faz as imagens flutuarem ao sabor das lembranças de infância, e uma amante dos jogos, brinquedos, brincadeiras, que se aventura no universo da escrita para compartilhar vivências lúdicas e reflexões vitais a nossa constituição simbólica e subjetiva. Um livro a dois no modo de fazer, desenhar, imaginar, dialogar, mas acompanhado de muitos parceiros, subentendidos nas lembranças e sentidos que o brincar e o jogar nos ofereceram ao longo da vida. Desejamos encontrar ainda muitos outros parceiros de partida, dessa vivência peculiar.

“Quer Jogar?” é um convite que permanece através dos tempos, sempre na boca de criança, é a pergunta que quer parceria, o começo de uma troca. Este livro repete a pergunta incansável e disposta a ouvir um sim. É um início de conversa, um jogo de relembrar a infância e do que dela pode estar vivo na vida adulta. Com suas imagens imprescindíveis para disparar esta prosa, é a forma que encontrei para falar daquilo que povoa meu imaginário, um pouco do que penso e sinto em relação à natureza da vida que levo, de meu trabalho e do dia-a-dia. Procurei propositadamente ressaltar as experiências e deixar os fundamentos nas entrelinhas, um caminho diferente do acadêmico, que me parece, na maioria das vezes, um tanto afastado do lúdico, infelizmente.

Creio que o brincar é uma experiência estética arrebatadora, por isso a idéia de  trazer a essência dela para o livro, casando jogo e arte,  só foi possível com a participação de Carlos,  que de pronto aceitou o desafio de trabalhar a dois, muitas vezes antecipando-se, com seus desenhos, à minha escrita. Durante o processo, lá estava eu invariavelmente falando de uma lembrança lúdica e ele já a transformava em imagem, antes mesmo de eu colocá-la no papel. Isso proporcionou um diálogo de mão dupla em que eu incorporava à minha escrita coisas que estavam presentes no desenho, tornando a experiência mais universal. Outras vezes, Carlos desenhava brincadeiras de seu repertório pessoal, me convidando a olhar e encontrar os mais variados sentidos contidos em cores, gestos e formas que se confundem com as brincadeiras.

Quando comecei a esboçar o livro, queria antes de tudo um presente para a alma, um livro-arte, que pudesse trazer ao leitor as sutilezas da imaginação. Para tanto, precisava de uma parceria que brincasse com os materiais artísticos atento às miudezas e grandezas presentes nas brincadeiras, criando assim imagens-convites a um passeio pela nossa natureza primeira.

Desejo que os leitores e brincantes desfrutem deste diálogo texto-imagem, tanto quanto nós autores destas trocas lúdicas.

Adriana klisys

introdução aos desenhos


Comecei desenhando piões, uma série deles. Os piões que
ganhava da Adriana, tantos e tão diversos como nunca
imaginei; e os da minha infância, que não aprendi a
jogar direito, mas cujo som, de surdo zumbido e silêncio,
encantava meus olhos, também silenciosos no rés do chão.
Depois vieram os jogadores de mancala, um punk soprando
bolhas de sabão, a trama dos barbantes, as cartas, os dados...

Alimentado permanentemente por livros, fotos e tabuleiros,
que foram enchendo tanto o ateliê como minha casa,
passei horas e horas desenhando, entregue ao fluxo desse
processo obsessivo de investigar linha e cor. Pautado por
longas listas ou respondendo a uma lembrança particular
– como no caso das bolinhas de gude e da raia bidê –,
fui desvelando o conjunto temático do livro, e com ele dois
universos contíguos: o dos jogos, e seus mecanismos imprevisíveis,
e o dos desenhos, essa membrana tão suscetível às impressões.
A ligá-los, a agudeza do instante em que tudo pode se
perder, ou ganhar; o relaxamento das miudezas do mundo,
a distensão do eu.

Desenhar para um livro que ainda não estava todo escrito me
permitiu especular nesse estado de vagueza atenta de onde
extraio minha linha. Lá, onde a realidade é apenas pressentida,
onde uma série de operações ocorre, na semiobscuridade,
lá estão os sentidos que me mobilizam e que dão corpo
à minha concentração. Foi graças a essa liberdade, presente da
Adriana, que ao longo de dez meses pude investigar, como
quem brinca, a porção lúdica da natureza tanto dos jogos
como do desenho. E o livro foi surgindo, a dois, como nunca
tinha me acontecido antes.

Carlos Dala Stella

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