sexta-feira, 29 de junho de 2012

Desencontro


Nunca falou-se tanto da necessidade de encontro. O teatro, repetem incansavelmente diretores e atores, é um local de encontro, sagrado às vezes, em meio à correria do dia a dia; as redes sociais propiciam encontros fascinantes, embora fluidos em sua frivolidade, impensáveis há alguns anos, e reencontros quase impossíveis com quem se havia perdido o contato; segundo um consenso coletivo informal, os espaços públicos têm que ser tomados mais e mais com grandes movimentos espontâneos, sem motivo evidente senão o próprio encontro; as agências de namoro, os sites, blogs, as igrejas pentecostais, todos querem propiciar algum tipo de encontro.

Mesmo o estado tenta dar conta dessa demanda por encontros, embora na maioria das vezes atue mesmo é como bombeiro. Os telefones, os celulares, o skype, o MSN permitem que se fale com várias pessoas ao mesmo tempo, potencializando os encontros. Parece haver um acordo planetário para que nos encontremos mais e mais, sempre, claro, pautados por plataformas pré-definidas, onde cada clique nos localiza geográfica, econômica e culturalmente, fazendo subir as ações desta ou daquela empresa.

No entanto, quando antes as conversas foram tão truncadas por tanta publicidade, por tantas mensagens, por outro chamado telefônico, por novos e velocíssimos encontros? Nos desencontramos rapidamente com amigos que não víamos há meses no lançamento de um livro, ou em um show; nos desencontramos indo de um palco a outro da virada cultural, entre fragmentos de inexpressão verbal; nos desencontramos na conversa rala e efusiva durante a ponte aérea Rio-São Paulo; nos desencontramos no entrecruzamento dos círculos de amigos, conhecidos, familiares do google +,  nos desencontramos nas festas, nos bares, nos cafés, na cama, rapidamente, pele com pele, para voltarmos a mergulhar cada um em seu ritmo desenfreado de doces agonias; e nos desencontramos principalmente nas redes virtuais, reduzidos a um polegar positivo, a uma curtição, a um toque, a um parabéns, a um compartilhamento de nada vezes nada para o galáctico nada.

E culpamos o tempo, reduzindo-nos com docilidade à rala linha do tempo do facebook, onde não cabem as delicadezas da subjetividade, muito menos seus temores, onde não cabem sequer as alegrias sem sentido que nos movem nessa ou naquela direção, gratuitas como a laranja que se colhe do pé, como o miolo do pão ou o toque das línguas no beijo. Culpamos a falta do mesmo tempo que jogamos fora com uma desenvoltura e uma sem-cerimônia que deveria nos espantar, se é que estamos vivos - vivos do eterno espanto de viver.

O que está em curso, nesse caótico emaranhado de fluxos, é uma desagregação violenta. Quando os amigos não têm mais tempo para os melhores amigos, quando o amor não tem mais tempo para se dilatar preguiçosamente no corpo infinito do amado, quando se deixa de dedicar tempo para o aprofundamento dos prazeres que mais nos movem, quando se politiza tudo por razões sociais, da arte até a mais íntima intimidade, são mínimas as chances de nos encontrarmos pra valer.

Como antes e sempre, vivemos nos desencontrando, mas agora por excesso de encontros, ou melhor, pelo excessivo desejo de encontrar, pouco importa quem, onde ou por quanto tempo. Preferimos viver no fluxo vertiginoso dessa cadeia aparentemente infindável de encontros e mais encontros. É fake.  

segunda-feira, 18 de junho de 2012

a arte como distrato social




O que não se percebe é que quando toda arte é patrocinada – de uma exposição a um desfile de moda, de um livro de poemas a uma performance, de um show de música ao grafite nas colunas de um viaduto – não se pode transgredir os limites do projeto, não se pode desapontar as expectativas das partes envolvidas, não se pode enfim romper com as cláusulas acordadas. Como se o fim último da arte fosse o estabelecimento de um contrato, num momento em que necessitamos mais do que nunca que o artístico seja objeto de um distrato social.

 

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Picasso






Picasso nunca transcendeu a potência de si mesmo, a provação de sua potência. Por isso suas pinturas carecem tanto de significado. Elas se resumem a achados plásticos. O que o salva é a alegria de tê-los encontrado.   

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Bicicleta 1





Do livro Bicicletas de Montreal

3 x é




Pouca coisa é mais estéril do que o elogio.1



Twitter é pra quem tem ejaculação precoce - se olhando no espelho.2



A publicidade é irmã da usura: ambas transformam um milímetro na bosta do milhão.3



quarta-feira, 6 de junho de 2012

o presente


O passado se foi, não posso ressuscitar meus mortos. O futuro nunca chegará a tempo, que posso fazer do que não nasceu? Só o presente me acompanha, de uma ponta à outra do agora. Tudo o que me interessa está vivo.



terça-feira, 5 de junho de 2012

bolachas de chopp / aldeia do beto



Essas bolachas de chopp fazem parte do material gráfico criado para o restaurante e espaço cultural Aldeia do Beto. A ideia é criar uma marca mutante, com desenhos sempre novos de moinhos, ora impressos em cartazes, gravuras serigráficas, ora em camisetas, adesivos, banners, cardápios... Sempre com um pé na arte e outro no desenho gráfico. Por isso conto com a colaboração supercompetente da design Clarice Fenstersiefer. Juntos viabilizamos a concepção geral do projeto, nascida do desejo visionário de Robert Amorim de fundir, de modo cada vez mais sensível, gastronomia e cultura.

    

segunda-feira, 4 de junho de 2012

O mato comeu






Toda vez que leio que o IPI dos automóveis baixou, me pergunto por que não baixam o IPI dos livros, dos instrumentos musicais, do nanquim, do óleo, da acrílica? E toda a nossa imprensa comemora, abestalhada. Que solução econômica medíocre incrementar o deus consumo entupindo as ruas de mais automóveis. Eles falam em qualidade de vida, e eu penso em qualidade espiritual, qualidade de imaginação, de subjetividade. Eu e um bando de gente, para quem o automóvel não passa de um amontoado de lata, plástico e circuitos computadorizados, por mais atraente que pareça. Mil vezes nossas pernas tortas do que essas maravilhosas porcarias importadas. Uma frota de automóveis zero quilômetro não vale uma borboleta, não vale uma única bicicleta, solitária, presa num poste do terminal Guadalupe, de madrugada - prestes a ser roubada .


sábado, 2 de junho de 2012

casal enamorado



Casal Enamorado
cimento comum e cimento branco estrutural
100x100x30cm

Fiz essa peça pouco antes de Gabriel nascer, há 17 anos. Há uma tela com o mesmo tema, quase no mesmo formato, em acrílica, na casa do Cristovão Tezza. Na tela o corpo da mulher está decorado com flores de maracujá. Aqui brinquei com os estudos de água de da Vinci, ao fundo. O painel foi exposto apenas uma vez, na Casa Andrade Muricy, a tela nunca.