sexta-feira, 4 de setembro de 2015

caderno de ateliê 55



Esses diários de ateliê poderiam ser chamados de meus cadernos de gratuidades, tantos os descarregos. Também podem ser vistos como minha espinha dorsal, o cerne de tudo o que faço, tanto volto a eles, registrando os mínimos abalos sísmicos de minha sensibilidade. O ovo da galinha, tantas coisas nascem aqui como para cá voltam. Esses diários carpem as mesmas sementes, redundam nas mesmas covas, chovem a mesma chuva ancestral que venho chovendo há séculos. Por sorte ou cúmulo do azar.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Emily Dickinson / 5


821


Longe de Casa, estamos Eles e eu –
Ser um Imigrante
Em uma Metrópole Residencial
É fácil, quase sempre –

Habituar-se a um Céu Estrangeiro
Difícil – senão impossível
Como o Rosto das Crianças
Tanto mais se afastam – mais visível.

 Tradução de Carlos Dala Stella


Away from Home, are They and I -
An Emigrant to be
In a Metropolis of Homes
Is easy, possibly -

The Habit of a Foreign Sky
We - difficult acquire
As Children, who remain in Face
The more their Feet, retire.


Away from home, are they and IAway from home, are they and I 






















Minhas traduções são exercícios de leitura, amparadas sempre que possível por traduções para o italiano e espanhol, além de paráfrases em prosa. A disponibilidade dessas versões agora pela internet torna o processo muito prazeroso, e muito menos trabalhoso do que há pouco tempo. Mesmo assim sempre parto da edição completa que ganhei em 2008 de Cristovão Tezza, pela Little, Brown and Company, editada por Thomas H. Johnson, biógrafo e editor definitivo da escritora.

O poema 821 (segundo a datação Johnson), foi escrito em Cambridge, em abril de 1864, onde Emily Dickinson se recuperava de um problema nos olhos e onde ficaria até novembro. O que me atraiu foi a comparação do céu de onde nascemos com o rosto de uma criança, tanto mais vivo quanto mais ela caminha para longe, por artifício da memória. É fascinante que particularizemos uma porção do céu como mais íntima aos olhos de nossa alma do que o céu de outros lugares.

O céu parece sempre o mesmo, em qualquer lugar do mundo; não para os astrônomos, nem para os poetas. Os poetas moram poeticamente onde moram, o que significa que aquela porção do mundo foi sendo metaforizada por força da escrita, e da multiplicidade de percepções que a alimenta. Emily se habitua com a multidão de uma metrópole, não com seu céu desconhecido. Talvez porque o céu onde nascemos e vivemos boa parte da vida seja o cúmplice silencioso e compreensivo de nossa vocação, de nossa diária dedicação a ela. Nenhum outro céu acolhe tão incondicionalmente nossos olhos - doridos, cheios de júbilo, dúvida, indiferença, cegos de tanto ver.